30 novembro, 2006

Marcos Terena

ÁGUA É VIDA! BEM SAGRADO QUE NÃO SE PODE VENDER!
(*) Marcos Terena

E A ÁGUA TROUXE A NOVA CIVILIZAÇÃO...
Há muitos anos atrás como donos naturais de nosso habitat e guardiões únicos do meio ambiente e seus valores para a qualidade da vida, nossos velhos e nossas mulheres sabiam ensinar aos mais novos como escutar, sentir e respeitar a voz sagrada da terra, dentro de um relacionamento com equilíbrio social, econômico e espiritual. Um dia os primeiros homens brancos chegaram através das águas, trazendo sua forma de colonizar com a promessa de uma civilização moderna e desenvolvida. Não sabíamos que estávamos sendo troféus de uma nova “descoberta” e que a partir desse primeiro contato seríamos transformados em selvagens, improdutivos e incapazes. Seres sem qualquer valor. Agora quando iniciamos a fase de um novo milênio, estamos “descobrindo” uma civilização moderna de alta tecnologia construída através de um sistema que empobrece a humanidade e o meio ambiente, mas que não consegue evoluir nos relacionamentos da diversidade humana, por isso mesmo, uma civilização que não pode dar certo. Apesar de todo avanço da colonização e da catequese, nossos ancestrais nos ensinaram a continuar cultivando a vida e usufruindo da natureza. São valores jamais decifrados pelo homem branco. A civilização colonizadora do homem branco impõe-se também com seus poderes bélicos e econômicos, e com isso, não são capazes de responder suas ansiedades e contradições. No entanto, parte dessa mesma sociedade, sensível e inspirada pelo espírito da natureza vislumbram nos Povos Indígenas e suas terras, a possibilidade de um mundo melhor, principalmente no respeito e na valorização ao bem comum, os recursos naturais, as plantas medicinais, alimentares e a água de beber. Nossa preocupação nasce dessa contradição. Quem vencerá? Aqueles que olham o meio ambiente como barganha exclusivamente economicista, individualista e monetária, ou aqueles que possuem o olhar indígena, coletivo, onde os donos são todos e cuja riqueza não se mede e nem se vende. Temos consciência de que todas as relações da tecnologia e da modernidade desse novo século, continuam baseadas em valores materiais que separa a humanidade em ricos e pobres. São valores que coloca os direitos humanos na forma exclusiva para contemplar o direito dos Estados e os direitos individuais, onde direitos coletivos não são compreendidos e muito menos assegurados. A Terra por isso, com seus bens naturais, minerais e ecológicos não é vista como um patrimônio sagrado dos Povos Indígenas, onde o respeito espiritual, ou o usufruto desses bens é de responsabilidade e direito de todos. Quinhentos anos depois de sua chegada, a civilização moderna ainda está tateando como um cego que busca uma luz para caminhar bem. Uma das mais belas noções de bens coletivos está a água como líquido que alimenta a terra tal como o sangue no corpo humano. Água é vida! Bem Sagrado que não se pode Vender, cujo equilíbrio natural é o bem viver, integral e complementar, que não se traduz em palavras mas na capacidade de sentir, vivenciar e compreender nossa parte nessa cadeia da vida! Fomos educados como pedaços integrais desse ecossistema. Por isso, lutamos pela demarcação de nossos territórios dentro de um significado: Direito coletivo que nunca se desconecta da tradição cultural e espiritual com o Grande Criador. A voz indígena sempre foi baseada na sinceridade e na simplicidade do canto dos pássaros, nos sinais da terra, do vento, das águas e das estrelas, jamais esmoreceu no seu canto alegre, apenas deixaram de ouvi-la.

Marcos Terena - Presidente do Comitê Intertribal (ITC)

Pedagogia da Oralidade



Pedagogia da Oralidade
Por: *Lisio Lili

Nas sociedades indígenas a oralidade tem muita importância. Insistir em validar entre eles, aquele conhecido adágio de que vale o que está escrito, não subsistiria, pois lá vale a palavra falada.

Na sociedade indígena a palavra expressa, equivale ao valor dado ao direito impresso na sociedade ocidental. É recorrente ouvir, quando pretendemos validar determinada vontade, nessa sociedade, a expressão, isso esta escrito!

Na sociedade indígena é diferente, a base para fundamentação daquela determinada vontade está relacionada a memória, a origem, a aquilo que o antepassado disse. Ao fundamentar determinada vontade hão de dizer, isso foi dito!

Os índios dão muito valor na palavra, pois promove a interlocução, exercita a memória, prepara argumentos, fortalece os vínculos, na verdade estimula duas capacidades que são ouvir e falar.

Entre os índios, tanto a mulher quanto os mais velhos tem papeis de destaque, pois são responsáveis pela manutenção da oralidade, por elas são transferidas os ordenamentos da boa relação na comunidade, restando aos mais velhos a transferência da memória.

Na sociedade indígena a pedagogia da oralidade precede a pedagogia da leitura e da escrita, pois entre eles a comunicação é parte de um estratégico código de sobrevivência. Registrar para muitos, até aos dias de hoje, é disponibilizar intimidade.

A oralidade entre os índios é a mantenedora da democracia da informação, desestimuladora permanente da exclusividade da noticia.

A singularidade da oralidade indígena é imensa, na sociedade kadiweu, alguns vocábulos são exclusivamente femininos, entre os kaiowás guaranis, periodicamente os nomes das crianças são substituídas.
Como registrar?

texto: Lisio Lili é Coordenador das Organizações Indígenas e Presidente do Parlamento Indígena do Pantanal

28 novembro, 2006

CONSCIÊNCIA HISTORICA – REESCREVENDO AS ESTÓRIAS E HISTÓRIAS DOS INDIOS NO BRASIL




Êxiwa - A Cosmovisão Terena
Por: *Lisio Lili

Ôpi, uma tia muito querida, recentemente perdeu uma das filhas que residia em Mogi das Cruzes, no Estado de São Paulo. Os filhos preocupados com a sua saúde, dado a idade de mais de 80 anos, resistiam em comunicar-lhe do falecimento. Dias depois, os seus netos André José, Diretor de uma conceituada Instituição Educacional e Jader Jorge de Oliveira, Presidente de representativa missão indígena, foram visitá-la, preocupados como seriam recebidos, pelo fato de que a omissão acabou chegando ao seu conhecimento.

Na recepção, a avó foi logo verbalizando sua indignação, ante a indelicazadeza de não ter merecido sequer aviso do passamento da filha, ambos replicaram argumentando que certamente as pessoas agiram de boa fé, no sentido de preservá-la de sofrimento.

Contra-argumentou, ante os netos atônitos, de que não se chateará com as pessoas, mas com a falha reprovável do sonho, que se furtará do seu papel de anunciar.

Os terenas correlacionam o mundo secular e espiritual. Os lideres espirituais transitam ou buscam informações e conhecimentos no Exiwá. Esse estagio é o que denominam de cosmovisão. Deposito de todas as respostas da vida terena. Alimentadora da tradição terena.

È na cosmovisão que estão informações necessárias para a leitura e compreensão da vida terena. É ali que os desarranjos são detectados. Os desarranjos são compreendidos como parte do viver terena, de forma que anualmente por ocasião do Hanaitî Kaxê (Grande Dia) todos os desarranjos são rearrumados.

No mundo real as desavenças presentes são objetos de acerto. São de toda ordem, desde as de ordem familiar até aquelas referentes aos conflitos de clãs. A derradeira instancia da conciliação é denominada Ipuhônoneoti, acerto definitivo de contas entre as partes.

Os desarranjos precisam sofrer reparos, porque no mundo terena o porvir é presente e não futuro, sendo muitas vezes incompreensível o perdão e a graciosidade, pois a estrutura indígena, agredida desarranja.

Nesse evento, por ocasião da presença no céu da estrela Ûve, entre os meses de maio a junho, que significará o final e inicio do calendário terena, há uma conferencia entre os lideres espirituais no sentido de conhecer as expectativas do futuro.

Edgard Morin, pensador francês, diz que o milênio que chega, está totalmente embarcado na incerteza sobre o porvir, Lucio Flores, sociólogo terena, diz que as certezas dantes imutáveis permite pensar que é chegada a hora do mundo cristão ser indianizado pelo mundo indígena, Tia Ôpi, cujo pensamento ainda que simbólico, mágico e mitológico como os pensadores da modernidade diriam, busca conforto no Exiwá, para superação da dor por qual passa.

Texto: Lisio Lili é Coordenador das Organizações Indígenas e Presidente do Parlamento Indígena do Pantanal

22 novembro, 2006

KUTI ÛTI ? (QUEM SOMOS NÓS?)


KUTI ÛTI? - Há muitos mitos criados em função da incompreensão do mundo indígena. Vida indígena enquanto individuo circunda e se interagem na forma de família, que se agregam em forma de clãs, para prontos se abrigarem todos em forma de comunidade. Esse é o nosso modo de vida. Monolítica enquanto defesa. Absoluta para impor-se sobre a exclusão. Vida indígena é ordenada e perfeita, e em obediência a essa ordem exige a manutenção dos fundamentos estruturadores, a saber: o mundo social, o espiritual e a sua tradição ou memória. Incompleta as atribuições se desordenam, ocasionando então conflitos de ordem individual e coletiva. Na sociedade indígena não existe exclusão. Durante a gestação até o nascimento de uma criança, mobilizam-se todos os membros daquela estrutura monolítica, abrindo espaço para inserção na família e na comunidade desse pequeno e importante individuo, e todos durante a vida útil até a velhice, atribuir-lhe-ão atividade que permite dar resposta ao “kuti uti?” ou seja quem somos?. Convém como exemplo, conhecer a tarefa da mãe nesse mundo organizado, principalmente para a escola convencional, que pode com aparato em uso, estar estabelecendo outra dimensão, que sem querer, desobrigou um ente vital, da natural e importante missão de educar. Ao impor-se, então, nessa condição esta escola, disvirtuada da nobre missão de ensinar, para fator de desagregação na comunidade, pois ocupou no espaço indígena um lugar reservado pela comunidade, a figura materna. O modo de ser da escola ao impor-se sobre o modo de vida da comunidade, nesse caso através do papel da mãe, de imediato atua sobre o individuo e ali tem inicio o ciclo desagregador, que em cadeia há de atuar sobre toda a comunidade, pois sobreocupou uma função e então ali se verifica a corrosão de um pilar estruturador.
Autor: Lisio Lili - Consultor Indígena